- grupo xv: O TEXTO NA LINGUAGEM DIGITAL
Houve um tempo em que o hábito de manter
cadernos de anotações era algo bastante corriqueiro. Os chamados de
"livros de lugares-comuns" (oucommonplace
books ) eram utilizados pelos leitores para
o registro de trechos e passagens interessantes com que se deparavam em suas
leituras. Mas além de transcrições, esses cadernos também reuniam apontamentos
sobre a vida cotidiana, conforme relata o historiador Robert Darnton em A
Questão dos Livros(Cia.
das Letras, 2009, p.164). Essas informações eram grupadas e reorganizadas à
medida que novos excertos iam sendo acrescidos. O hábito espalhou-se por toda a
Inglaterra no início da era Moderna, e muitos escritores famosos - entre eles
John Milton e Francis Bacon - cultivaram essa maneira especial de absorver a
palavra impressa, fundada na não linearidade e na fragmentação da informação.
Tradição viva
Hoje, com mais de 37 milhões de usuários de
internet só no Brasil, essa tradição de escrita parece mais viva do que nunca,
impulsionada por novas tecnologias e amplificada pela comunicação em rede. Não é exagero
afirmar que e-mails, blogs e redes de relacionamento já deixaram sua marca na
produção textual contemporânea. Para o escritor Michel Laub, autor dos romances O
Gato Diz Adeus e Longe da Água (ambos
pela Cia. das Letras), a internet tornou os textos mais naturais e coloquiais,
embora não seja a única responsável por essas mudanças.
- O texto da internet é um texto em geral mais
coloquial, menos "literário", no sentido de ser mediado por truques
de estilo. A internet não inventou a coloquialidade, mas fez com que ela
passasse a soar mais natural para muito mais gente e, estatisticamente ao
menos, virou um certo padrão - afirma.
Com cada vez mais usuários - o acesso à rede no
Brasil aumentou 35% entre 2008 e 2009 - a internet está criando novos hábitos
de comunicação entre as pessoas, que acabam se adaptando às facilidades da nova
tecnologia. Isso vale tanto para a leitura, em vista da profusão de textos
veiculados na rede, quanto para a escrita, principal meio de expressão do
internauta (pelo menos até que as conversas "via voz" se tornem mais
corriqueiras).
Superficialidade
Há quem veja nessa torrente de informações que
jorra na internet um fator negativo, dificultando nossa concentração em textos
de fôlego como romances, por exemplo. Em artigo controverso publicado na
revista The Atlantic em
2008, intitulado "O Google Está nos Deixando Idiotas?", o crítico de
tecnologia Nicholas Carr defende a tese de que a navegação na internet está
interferindo em nossa capacidade de leitura. Se antes, afirma Carr, ele se
sentia um "mergulhador num oceano de palavras", hoje ele literalmente
se sente "esquiando nesse oceano", dando a entender que a experiência
de ler proporcionada pela internet é bastante superficial.
Por falar em imersão, para Roseli Deieno Braff,
supervisora de língua portuguesa da editora COC, essa geração que já nasceu
imersa na tecnologia não possui carência de informações, pois está sempre
conectada. Porém falta muitas vezes a capacidade de se aprofundar mais no que
leem e, consequentemente, de separar o joio do trigo.
- Não falta informação para esses jovens, mas
muitas vezes falta a capacidade de processar e refletir sobre tudo o que leem.
Ansiosos e inquietos, consideram uma tarefa muito difícil ler um livro de cem
páginas. Nesse sentido, a ausência de concentração torna-se muito negativa,
obstáculo inclusive para a resolução dos problemas que a vida certamente vai
oferecer - afirma Roseli.
Ainda que o processo de reflexão não esteja
acompanhando o ritmo acelerado com que esta geração vem consumindo informações,
a professora de português Rosangela Cremaschi, do curso de Comunicação Escrita
da FAAP, acredita que a diversidade de códigos e linguagens tem deixado os
jovens mais atentos e receptivos.
- A internet deixou o leitor mais receptivo e
participativo, pois recebe informações em diferentes linguagens e por meio de
leituras não lineares. O texto até então "sagrado" se torna mais
acessível. Se antes o ato de ler era algo distante, a internet acabou com isso,
o que é positivo - defende Rosangela.
O escritor Michel Laub também vê com bons olhos os
novos hábitos de leitura incutidos pela tecnologia. Para ele, a propensão a
textos mais curtos em sites e blogs não nos tornou necessariamente mais
dispersos ou desatentos. Ao contrário: lê-se mais do que antigamente.
- Os que leem textos mais longos e difíceis são
uma minoria como sempre foram. Mas o restante das pessoas, que há uma década
não lia nada, hoje trabalha com o texto escrito boa parte do tempo, e isso cria
um certo hábito de leitura, mesmo que diluído - afirma.
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O historiador Robert Darnton: a leitura e a escrita
fragmentadas tiveram precedentes na era Moderna
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Mais leitores
Não
por acaso, segundo a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, realizada pelo
Instituto Pró-Livro na última década, o Brasil saltou de 26 para 66,5 milhões
de leitores no que diz respeito a livros impressos. Esses números por si só já
desfazem qualquer "má" influência da internet sobre os hábitos de
leitura do brasileiro.
- A internet não deve ser vista como algo
negativo, pois amplia nossas possibilidades de leitura. É claro que é preciso
um olhar crítico, e este é o papel do educador, o de orientar a busca, seleção
e gerenciamento das informações que estão disponíveis na rede - afirma Valéria
Caratti, consultora do portal Planeta Educação.
Não só a leitura como também a escrita foram
favorecidas pela explosão da comunicação na internet observada na última
década, que proporcionou um contato maior das pessoas com atividades que
envolvam a escrita - como deixar um recado na página de um amigo, escrever um
e-mail ou postar textos num blog. Também é inegável que sites de relacionamento
- como Orkut, Twitter e Facebook, só para citar os mais conhecidos - tornaram o
ato de escrever mais banal e cotidiano, sem nenhum prejuízo nisto, uma vez que
a escrita elaborada deixou de ser algo exclusivo de escritores e das atividades
escolares.
Os números atestam a presença incontornável das
redes sociais no dia a dia das pessoas. Segundo uma pesquisa realizada pela
empresa Hitwise Serasa Experian, essas redes são responsáveis por 62% do
tráfego de internet no Brasil. Em julho de 2009, 21,4 milhões de pessoas usaram
algum tipo de rede social no país, isto é, cerca de 83% dos internautas
residenciais, de acordo com o Ibope Nielsen Online.
O que já havia sido deflagrado nos anos 90 pela
comunicação via e-mail, mensageiros eletrônicos e pela cultura escrita dos
blogs, as redes sociais elevaram à enésima potência ao garantir interatividade
e visibilidade às pessoas em torno de interesses em comum. O próprio
microblog Twitter, intensamente debatido na mídia por sua contribuição à
concisão (ver a matéria " O que é possível dizer em 140 caracteres? ", Língua 54),
de certa forma cristalizou uma tendência a textos enxutos. Gêneros de
texto como o aforisma, o haicai e o epigrama, entre outras formas breves,
encontram no Twitter o suporte ideal.
Para além dos modismos que nascem e morrem na
grande rede mundial de computadores, o advento do microblog Twitter extrapolou
essa esfera para cair na boca de grandes homens de letras, muitas vezes avessos
a novidades tecnológicas, como o escritor José Saramago, que chegou a declarar:
"Os tais 140 caracteres reflectem algo que já conhecíamos: a tendência
para o monossílabo como forma de comunicação. De degrau em degrau, vamos
descendo até o grunhido". Por mais que autores torcessem o nariz para a
ferramenta, muitos deles aderiram, dando corpo ao que se chamou de "tuiteratura".
No Brasil, escritores como Fabrício Carpinejar, Marcelino Freire, Carlos
Seabra, entre muitos outros, aderiram ao novo gênero, emprestando-lhe uma
dicção própria.